Sobre o Processo: algumas palavras...


Abro o caderno de exercícios e apontamentos para que todos lhe dêem uma olhadela, possam reflectir sobre o que se vai passando (e sobre o que vou pensando), sobre o que cada um propõe e sobre de que forma cada um pode vir a propor.

É claro que são palavras e, como tal, sujeitas a interpretação(ções). Mas é disso que se trata, é sobre o subjectivo. Vejamos…

Iniciámos o processo de ensaios com leituras do texto. Tendo em conta as primeiras ideias de concepção, na cena, do que virá a ser o espectáculo: a tela, a projecção na tela, a manipulação de imagens em tempo real, a inclusão de dados fornecidos pelo público (crianças misturadas com alguns adultos), uma só personagem (que pivoteia entre a idade maior e a idade menor), um figurino adequado, mutável e caracterizador das idades, um texto aberto, quase poesia (este quase é quase desnecessário) e um espaço de acolhimento/apresentação que quer ser só o primeiro de muitos que se seguirão – ou seja, é a primeira referência de referências indistintas.

Na primeira leitura que fizemos, todos juntos, do texto “Eunice”, ficam as ideias seguintes: que haverá uma personagem com corpo (e tudo) dividida por duas idades, e haverá outras personagens que existirão por meio de imagem, a que se juntará uma voz-off (comecei por resistir a esta ideia, e tenho mesmo que a ver experimentada, mas tenho a sensação de que é, afinal, a melhor possibilidade). A imagem do relógio e a do búzio. A árvore estaria em cena, fisicamente. Haveria comandos que provocariam eventos (tanto de imagem como de som), comandos accionados pela intérprete e comandos accionados pelo público. A existência de microfones e de web-cams.

Durante o primeiro período de ensaios, procedeu-se ao entendimento do texto, mais profundamente: o que queria dizer e o que queríamos que ele dissesse. O que poderia ser dito por palavras e o que seria dito de outra forma. O que queríamos dizer além (ou antes de tudo) já estava determinado: as duas idades, a infância e a velhice, a morte e o nascimento (ao contrário do que seria normal). As peripécias de uma personagem e o que podemos fazer com uma personagem nas nossas mãos.

Deram-se voltas ao texto. Algumas partes foram suprimidas outras tiveram uma nova ordem. Tudo é passível de ser manipulado.

Dessa manipulação do texto, surgiram imagens e sentidos. E também vontades de ver acontecer. Identificaram-se jogos, situações; retiraram-se do texto momentos e palavras que abriram caminho à invenção de cenas paralelas.

A árvore deverá ser construída a partir de cabos de electricidade, agrupados num cilindro, presos à teia do espaço. Com as raízes no alto e os ramos horizontalmente espalhados pelo chão, como um emaranhado de fios e cabos. Possivelmente com lâmpadas de vários formatos e botões e interruptores de comando à tela e à projecção.

O relógio existiria na projecção, virtual como o tempo, com imagem e som.

O búzio deveria existir de outra forma, alternativa às duas primeiras.

A velha e a menina, ora muito distintas ora misturadas num só corpo.

E tudo o que fosse (e foi) surgindo durante o processo.

Identificámos sacas plásticas de vários formatos. De uma só cor (verde pingo-doce?). E folhas de papel branco amarrotado. Um filme mudo. Duas danças. Um vento repentino. Um mundo ao contrário. Backwards e rewinds e plays e fastforwards e stops. E conversas sozinha. E sonhares altos. E lembranças com resquícios. Velhas estórias frescas. Um Beckett colorido. Ondas do mar. Correrias e risos pequeninos. Momentos para olhar e momentos para intervir. Um jogo: “O Tempo, que é Tesouro, anda perdido pela Praia!”

E tivemos um casaco de malha grosso e um cachecol muito comprido. E sapatos e meias e vestidinhos (inhos, inhos).

O búzio está cada vez mais mudo mas é um altifalante. Quis-se dar-lhe luz, surgiu um corpo.

Tinha vontade de tornar este objecto mais hi-tec. Mas as referências são de avós de casacos de malha e costas curvadas. Penteados vagarosos e mãos tremeliqueiras. E de chamares lá do fundo da casa e presenças silenciosas aos fins de tarde.

Tenho na sala de ensaios um capacete de mota e uns óculos de aviador, para pôr na velha caso ela se torne demasiado dependente da minha avó. Mas nunca será uma espécie de Madonna, por força de querer ser moderna!...

Um comentário:

Anônimo disse...

quais são as datas disto? ;-)